Um dia após o relatório final da CPI da Covid ser lido no Senado e pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro em função de sua postura e condução durante a pandemia de covid-19, o mandatário voltou a atacar a vacina e colocar dúvidas sobre sua segurança.
O presidente afirmou na quinta-feira, 21, em sua "live" semanal, que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids. A afirmação, que é mentirosa, foi desmentida por cientistas de todo o mundo e publicada em um site inglês conhecido por espalhar teorias da conspiração.
Bolsonaro introduziu o tema em seu programa online dizendo que dará uma notícia grave, mas sem fazer comentários a respeito. Em seguida, pega uma espécie de jornal e, antes de supostamente ler uma reportagem, reconhece que já tratou do assunto no passado e que, por isso, "apanhou muito".
Mas seguiu e disse: "Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados (15 dias após a segunda dose) estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids) muito mais rápido que o previsto". E completa: Recomendo que leiam a matéria. "Não vou ler aqui porque posso ter problemas com a minha 'live'".
A fake news que relaciona vacinas com o desenvolvimento da doença já era conhecida a ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter reforçado a importância de portadores de HIV serem imunizados contra a covid-19. Mas a propagação da mentira no momento em que o Brasil atinge mais da metade de sua população com a vacinação completa gerou revolta e críticas entre cientistas nas redes sociais.
A microbiologista Natalia Pasternak usou o Twitter para ressaltar que nenhuma vacina, não apenas a que protege contra a covid-19, faz com que as pessoas desenvolvam aids. O médico e pesquisador de saúde Daniel Dourado também usou a plataforma para informar as pessoas da maneira correta.
"Não existe nenhuma possibilidade de a vacina causar aids, zero. Qualquer que seja a vacina. É isso que precisa ser divulgado de forma clara e direta", disse.
A classe política também reagiu. Diversos deputados da oposição ressaltam a característica criminosa da declaração de Bolsonaro. "Bolsonaro mais uma vez usou documento falso para atacar as vacinas e associá-las à aids.
Lamentável que essa seja a prioridade do presidente de um país com mais de 600 mil mortos, 20 milhões de famintos e 14 milhões de desempregados. Mais um crime na ficha de Bolsonaro", disse o líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ).
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é o coordenador da Frente de Enfrentamento ao HIV/aids/hepatites virais no Congresso Nacional, disse em seu perfil na rede social que pretende entrar com "medidas jurídicas" contra o presidente pela fala.
Manuela D'Ávila (PCdoB), que concorreu à vice-presidência da República em 2018, disse que o presidente "segue com seu projeto de morte" ao espalhar a fake news em sua Live.
Na quarta-feira, 20, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) incluiu, no relatório final da comissão, a disseminação de notícias falsas e desinformação sobre a pandemia no País entre os fatores responsáveis pelos óbitos decorrentes da covid-19. Segundo o senador, as fake news resultaram em mortes que poderiam ter sido evitadas, uma vez que teriam gerado "uma exposição perigosa e desnecessária ao novo coronavírus" e, consequentemente, contribuído "para a perda de vidas adicionais" durante a crise sanitária.