Com a crise energética histórica deste ano, fica mais claro que o Brasil precisa ampliar a produção de eletricidade com diferentes matrizes, que possam ir além das usinas hidrelétricas e térmicas. Para os especialistas em física nuclear, esse é um bom momento para o país retomar o debate sobre a implantação de novas usinas nucleares, além do complexo instalado em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O tema avançou durante o governo de Lula, mas acabou perdendo força após o acidente na usina de Fukushima, no Japão, em março de 2011.
Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que o investimento em energia nuclear está dentro do escopo do Plano Nacional de Energia (PNE). O documento prevê expansão de 8 a 10 gigawatts por meio dessa fonte, embora não esteja explícito o número de novas usinas.
Para a futura expansão dessa matriz energética, o MME tem estudado as regiões do país que podem receber as novas usinas para dar mais estabilidade ao Sistema Interligado Nacional (SIN). “A orientação política do ministro Bento Albuquerque é manter a diversidade das fontes, explorar o nosso potencial em recursos, fortalecer a energia renovável e buscar a redução das emissões. A questão de investir na matriz nuclear atende a todos esses critérios.
O Brasil é o sétimo no mundo em recursos de urânio; é um dos 10 países que dominam o ciclo do combustível, num processo considerado o mais barato de todos (uso de ultracentrífugas); e tem grande experiência em operação de usinas nucleares com alto rendimento (acima de 90%)”, afirma o ministério.
Alexandre Gromann, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), afirma que a produção nuclear tem sido pautada no mundo inteiro por causa do aquecimento global. Muitos países têm a queima de combustíveis fósseis como principal fonte de energia elétrica e precisam de fontes alternativas que não emitam gases para a atmosfera – como são os casos de fontes hidrelétricas, solares, eólicas e nucleares.
Segundo ele, até mesmo a Alemanha, país que decidiu desligar todas as usinas nucleares até o fim de 2022, debate atualmente a extensão da vida de algumas unidades para garantir a produção de energia no país. De acordo com o jornal público alemão DW, o preço da eletricidade no mercado de energia na Alemanha subiu cerca de 140% desde janeiro. Quase 25% da produção de eletricidade nesse país vêm do carvão, enquanto a energia nuclear responde por 11%.
“A Alemanha passou a queimar mais carvão, ou seja, passou a poluir mais, e a comprar energia da França, que usa muita energia nuclear”, afirma o vice-presidente da Aben, lembrando que alguns países que crescem economicamente, como China e Índia, estão construindo várias usinas.
Professor do Departamento de Engenharia Nuclear da UFMG, Carlos Eduardo Velasquez Cabrera explica que o Brasil ainda precisa decidir como vai lidar com o combustível queimado (rejeitos) das usinas, se vai optar por uma recuperação química do plutônio ou urânio físsil utilizados na produção. “Isso impacta na decisão da área utilizada para o repositório. Se o país optar pelo reprocessamento, os rejeitos vão demandar áreas menores”, explica.
A área usada para o armazenamento não precisa ser próxima à usina e deve estar localizada em uma área distante de ocupação humana. “Se faz um estudo sobre a condição do solo da área que vai receber o rejeito, se existe alguma possibilidade de infiltração, se houver um problema”, diz.
Para ele, para que o país possa crescer a matriz nuclear, é preciso educar a população sobre como funcionam as usinas. Mas também é necessário ter muito investimento. “O grande problema é que o custo é muito elevado e, se o prazo não é cumprido, o orçamento pode duplicar. O projeto vai se adiando e precisa, cada vez mais, de dinheiro”, aponta.
Um exemplo disso é a usina Angra 3, cujo planejamento foi iniciado em 1984 e a obra foi interrompida duas vezes, a última em 2015. De acordo com o MME, a entrada em operação da usina está prevista para 2027. O custo dessa obra sofreu alterações recentes por causa da variação do câmbio e está estimado em R$ 20 bilhões. O empreendimento encontra-se em fase final de modelagem pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Alexandre Gromann, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), reconhece que no Brasil a construção de novas usinas nucleares poderia esbarrar na opinião pública, que tende a lembrar dos acidentes históricos (como de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986) e desconhecer os benefícios dessa fonte de energia. Além disso, muitos ambientalistas questionam a energia nuclear por temerem os efeitos dos resíduos radioativos.
“Mas toda indústria tem algum nível de resíduo, é preciso avaliar quanto você pode aceitar. A usina nuclear ocupa uma área menor, degrada menos o meio ambiente. E conhecemos o resíduo”, argumenta o especialista.